Sobre a Pesquisa

Poder Judiciário e o Sistema Prisional do Brasil

Embora o colapso do sistema carcerário brasileiro tenha sido identificado e condenado há décadas, foi apenas em meados de 2015 e 2016 que passou a receber atenção direta do Supremo Tribunal Federal. Em 2017, diante de novos e trágicos episódios de chacinas em presídios brasileiros, o sistema prisional voltou a receber atenção da grande imprensa e dos organismos internacionais de direitos humanos.

Neste contexto se desenvolveu a pesquisa "Poder Judiciário e o Sistema Prisional do Brasil", como instrumento de organização e análise das respostas recentes que vêm sendo produzidas por tribunais de justiça quando provocados a enfrentar episódios da crise prisional no país. Buscou-se (i) mapear as principais teses existentes em ações judiciais em curso, tanto nos tribunais de justiça estaduais quanto nos tribunais superiores, que versem sobre a problemática prisional; (ii) identificar as soluções apresentadas pelos magistrados, em termos quantitativos e qualitativos e (iii) avaliar e comparar os aspectos positivos e negativos dessas soluções.

Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), existem hoje no Brasil 607.731 pessoas presas, em prisões que só possuem capacidade para 376.669. O déficit de vagas chega, portanto, a 231.062 O número se torna ainda mais impressionante se complementado com dois outros dados: (i) há 147.937 pessoas em prisão domiciliar, na maioria dos casos, por falta de vagas nos regimes aberto e semiaberto; e (ii) há 373.991 mandados de prisão aguardando cumprimento. Nenhuma unidade da federação escapa do problema do déficit de vagas. Um dos principais fatores responsáveis pela superlotação em nossas cadeias é o uso excessivo e desproporcional da prisão provisória. As estatísticas do DEPEN apontam que os presos provisórios correspondem a 41% da população carcerária. São mais de 220 mil presos que se encontram encarcerados sem condenação definitiva.

A bruta realidade do sistema prisional vai muito além da superlotação. Envolve, em primeiro lugar, a precariedade das estruturas e instalações prisionais, que contam frequentemente com celas em péssimo estado de conservação, insalubres, fétidas, sem ventilação e iluminação adequadas e sem sistema de esgoto. Além disso, há graves deficiências na prestação das assistências previstas na Lei de Execução Penal (LEP), sendo absolutamente precário o fornecimento de materiais de higiene básica, de uniforme, sem falar na alimentação insuficiente e de péssima qualidade e na severa limitação do fornecimento de água. Na assistência à saúde, faltam profissionais, atendimento médico e medicamentos. As assistências educacional e laboral também são falhas, sobretudo, pela falta de oportunidades. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), apenas cerca de 10% dos presos estudam e pouco mais de 20% estão envolvidos em atividade laboral

Nessas circunstâncias, a pessoa privada de liberdade no Brasil acaba por ser submetida a uma pena muito mais grave do que aquela imposta na sentença condenatória, na medida em que é também privada de sua integridade física e psíquica, e de outros aspectos essenciais de sua dignidade, além de ser desprovida de perspectivas reais de reinserção na sociedade.

 

As prisões brasileiras denunciadas à comunidade internacional

As graves violações dos direitos dos presos no Brasil chama a atenção dos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, no âmbito da ONU e da OEA. Assim, por exemplo, o Comitê contra a Tortura (CAT) da ONU realizou uma série de inspeções em diversos locais de privação de liberdade no Brasil entre 13 e 29 de julho de 2005, publicando um relatório no final do ano de 2007 em que constata a prática sistemática da tortura nas prisões, delegacias de polícia e unidades de internação de adolescentes. O relatório também aponta para o alto grau de impunidade dos crimes cometidos pelos agentes públicos contra os presos e a necessidade de assegurar-se a apuração das denúncias de tortura por órgãos de investigação e de perícia independentes.

 

Proliferação de demandas judiciais e a guinada da jurisprudência

Assiste-se a um crescimento significativo do número de ações judiciais que versam sobre as deficiências do sistema prisional brasileiro. Por meio delas, busca-se obter do Poder Judiciário soluções concretas para o descumprimento do dever estatal de garantir condições dignas de encarceramento.

No âmbito desses processos, discute-se a possibilidade de o Poder Judiciário determinar políticas públicas destinadas à reestruturação do sistema penitenciário e à construção de novas unidades prisionais, e ainda de reconhecer a responsabilidade civil do Estado pelos danos morais causados aos presos, com a consequente condenação ao pagamento de indenização em dinheiro ou à adoção de outros mecanismos de reparação alternativos.

Paralelamente a esse aumento de demandas judiciais, vê-se nos últimos anos uma clara mudança de postura dos juízes no enfrentamento da questão. Se, inicialmente, havia uma posição mais conservadora da jurisprudência no sentido de não interferir diretamente na questão prisional - sob o fundamento de se tratar de atribuição dos Poderes legislativo e executivo o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a problemática carcerária – debates recentes travados no Supremo Tribunal Federal apontam para o reconhecimento da gravidade da situação e das responsabilidades do Poder Judiciário no seu enfrentamento, abandonando a inércia que caracterizou a postura de parcela significativa da jurisprudência por tantas décadas.